Vacinas contra o Pneumococo


30.10.23

A doença pneumocócica (DP) é causada pela bactéria gram-positiva encapsulada Streptococcus pneumoniae, conhecida como pneumococo. Essa bactéria é frequentemente encontrada colonizando a nasofaringe de indivíduos saudáveis, e desequilíbrios na relação parasita-hospedeiro podem levar à doença em mucosa – pneumonia, otite, sinusite, epiglotite, oftalmite – ou à doença invasiva, quando a bactéria alcança a corrente sanguínea e após a bacteremia pode levar a infecções mais graves, como sepse, peritonite e meningite.

O pneumococo expressa em sua parede celular diferentes polissacarídeos, que vão determinar as características de virulência e afinidade a mucosas. Esses polissacarídeos têm propriedade antigênica, estimulando resposta humoral específica, o que permite que os pneumococos sejam classificados em sorogrupos e sorotipos de acordo com o tipo de anticorpo induzido. Como consequência, a resposta imune gerada pela infecção ou pela vacina também será sorotipo-específica, permitindo reinfecções por diferentes sorotipos. Foram descritos 97 sorotipos pertencentes a 40 sorogrupos, mas um número pequeno de sorotipos é responsável pela maioria dos casos de doença invasiva.

O Pneumococo é uma das principais causas de pneumonia adquirida na comunidade (PAC), meningite e bacteremia em crianças, idosos e populações de alto risco, sendo que apenas a pneumonia já é a principal causa de morte em crianças <5 anos de idade e a quarta principal causa de morte em todas as idades. A DP em suas diferentes apresentações é a principal causa infecciosa de mortalidade infantil e responsável pela maior mortalidade global por doença infecciosa.

O pneumococo é tradicionalmente sensível a antibióticos com atividade contra gram-positivos, como beta-lactâmicos, glicopeptídeos e oxazolidinonas, mas um dos maiores problemas atuais no tratamento da DP é a crescente resistência aos antibióticos. Dados de vigilância no Brasil de 2021 apontam que 67% dos pneumococos isolados em meningites e 33% dos isolados em outras infecções apresentam resistência aos beta-lactâmicos.

Considerando a elevada incidência e a gravidade da DP, somados à crescente prevalência de resistência antimicrobiana, as vacinas contra o pneumococo tem se tornado cada vez mais relevantes nas estratégias de vacinação em todas as idades.

Existem dois tipos de vacina contra Pneumococo:

- Polissacarídica: 23-valente

- Conjugadas: 10, 13 ou 15-valente

Polissacarídica: Disponível desde os anos 80, a vacina polissacarídica 23-valente (Pneumovax) contém polissacarídeos de 23 sorotipos de pneumococo, sendo a mais abrangente em número de sorotipos incluídos. Entretanto, sendo uma vacina polissacarídica, apresenta algumas limitações inerentes ao tipo de resposta imune induzido por estes antígenos. Os polissacarídeos induzem apenas resposta humoral, sem imunidade celular ou resposta amnéstica associada. Isso faz com que sua efetividade seja baixa e de curta duração, não respondendo também a reforços repetidos pela indução de intolerância. Só pode ser utilizada a partir dos dois anos de idade, uma vez que o sistema imune de crianças menores não responde adequadamente a este estímulo. É, no entanto, uma vacina muito segura, que deve ser utilizada por jovens com risco aumentado de doença pneumocócica invasiva (DPI) e por idosos acima de 60 anos, que terão benefício com a ampla proteção conferida pela presença de um maior número de sorotipos.

Conjugadas: Disponíveis desde os anos 2000, foram revolucionárias ao conjugar os polissacarídeos do pneumococo com proteínas recombinantes carreadoras, como a CRM197 (Corynebacterium diphtheria toxoid cross-reactive material 197). O antígeno conjugado estimula o sistema imune por vias distintas, ativando células apresentadoras de antígenos que vão induzir a formação de imunidade celular e humoral amnéstica. Isso torna as vacinas muito mais eficazes e capazes de conferir proteção duradoura. As vacinas conjugadas protegem contra a colonização de nasofaringe pelo pneumococo, diferente das polissacarídicas, o que faz que elas tenham também impacto sobre a transmissão da bactéria, protegendo também os não vacinados por proteção indireta (imunidade de rebanho). Por fim, outra grande vantagem das vacinas conjugadas é que podem ser aplicadas a partir de seis semanas de vida, permitindo que fossem incorporadas ao calendário básico de imunização da infância.

 

Existem hoje 3 formulações de vacinas conjugadas, a 10-valente (Synflorix), a 13-valente (Prevenar) e a recém-aprovada 15-valente (Vaxneuvance).

A vacina conjugada 10-valente é a disponibilizada pelo Programa Nacional de Imunização (PNI) nos postos de saúde. Apesar da grande eficácia para os sorotipos incluídos, apresenta a desvantagem de uma menor cobertura de sorotipos (quadro 1), com a ausência do sorotipo 19A sendo o maior problema pela elevada associação deste sorotipo com a resistência antimicrobiana.

A vacina conjugada 13-valente apresenta vantagem significativa de abrangência em relação à 10-valente, devendo ser usada preferencialmente sempre que possível. Está disponível nos centros de referência de imunobiológicos especiais do PNI para pacientes com alto risco de DPI e em serviços privados de vacinação.

A vacinada conjugada 15-valente é a mais recente introdução, aprovada pela ANVISA em 2023, apesar de já ser utilizada no hemisfério norte há mais tempo. Amplia a cobertura em relação à 13-valente (quadro 1), embora estudos de efetividade ainda não tenham demonstrado uma vantagem clara, o que faz com que sejam recomendadas de forma equivalente, sendo inclusive intercambiáveis.

As vacinas conjugadas são recomendadas de uma maneira geral para todas as crianças até 5 anos de idade e todos os idosos acima de 60 anos. Crianças, adolescentes e adultos de 5 a 60 anos com risco aumentado de DP também devem receber a vacina conjugada (link para os calendários do Richet). O esquema inicial para a 13 e a 15-valente é de 3 doses aos 2, 4 e 6 meses de vida, com um reforço entre 12 e 15 meses de vida. A partir dos 2 anos de idade deve ser feita em esquema de dose única para os ainda não vacinados.

Sendo vacinas inativadas, todas as vacinas contra pneumococo podem ser utilizadas por imunodeprimidos, apresentando como única contra-indicação reação de hipersensibilidade grave (anafilaxia) em doses anteriores ou aos componentes da vacina. Os eventos adversos mais frequentes são as reações no local de aplicação (dor, calor, eritema e edema), variando entre 1 a 10% em frequência. Eventos sistêmicos como febre, prostração e cefaleia ocorrem são raros e autolimitados.

A vacinação contra pneumococo é medida fundamental para a saúde de todas as pessoas. A introdução das vacinas conjugadas levou a uma redução de 81 a 98% de DPI pelos sorotipos vacinais, e com coberturas de 60 a 75% efeitos de imunidade de rebanho já são observados na população. A prescrição da vacina contra pneumococo reduz a mortalidade geral entre os vacinados, não devemos perder a oportunidade de vacinar.

 

Quadro 1. Composição das Vacinas Pneumocócicas por Subtipos

FAQ

1) Já tomei a vacina pneumo23, posso/devo me vacinar com a vacina conjugada?

Sim, as vacinas conjugadas 13 ou 15-valente acrescentam muito em eficácia e em tempo de proteção para os sorotipos incluídos, mesmo para quem se vacinou com a polissacarídica.

 

2) Quanto tempo depois da pneumo 23 posso receber a vacina conjugada 13 ou 15-valente?

A vacina conjugada deve ser aplicada 12 meses após a última dose da vacina polissacarídica.

 

3) Já me vacinei com a vacina conjugada 10-valente, tenho benefício em me vacinar com a 13 ou a 15-valente?

Sim, existe um benefício adicional. A vacina 13 ou 15-valente deve ser aplicada com pelo menos 8 semanas após a 10-valente.

 

4) Já completei o esquema com a vacina conjugada 13-valente, devo me vacinar com a 15-valente?

Estudos ainda não mostraram vantagem de efetividade entre as vacinas, sendo portanto consideradas equivalentes. Existe um benefício teórico ao ampliar a cobertura com a 15-valente, que pode trazer benefício principalmente para pessoas com alto risco de doença pneumocócica. Discuta com o seu médico sobre esse benefício no seu caso.

 

5) Uma criança que começou o esquema de quatro doses com a vacina 13-valente pode completar o esquema com a 15-valente?

Sim, ela pode completar as doses já agendadas substituindo a 13 pela 15-valente.

 

6) Após uma reação anafilática com uma dose de vacina conjugada posso completar o esquema com outra vacina conjugada?

Não, todas as conjugadas passam a ser contra-indicadas após reação grave de hipersensibilidade.

 

7) Já me vacinei com a vacina conjugada, quanto tempo depois posso me vacinar com a polissacarídica?

Dois meses após a última dose da vacina conjugada.

 

Dr. José Cerbino
Médico Infectologista
CRM 52.64392-0
Médico Infectologista, Consultor.