Os testes para avaliação de função plaquetária vêm sofrendo grandes mudanças na última década. No passado, estes testes eram utilizados principalmente para o diagnóstico de distúrbios hemorrágicos hereditários associados a defeitos de funcionais utilizando os ensaios tradicionais, também conhecidos como turbidimetria ou testes de agregação por transmitância de luz, cuja sigla em inglês é LTA. Embora o diagnóstico de distúrbios hemorrágicos permaneça importante, a utilização de inibidores da agregação plaquetária ganhou grandes proporções entre diversas especialidades, com particular atenção para a cardiologia, e o desenvolvimento de testes para o monitoramento da ação desses agentes se tornou necessário. Essa necessidade deu origem ao desenvolvimento de uma variedade de ensaios destinados a auxiliar o monitoramento dos inibidores de agregação plaquetária, que têm sido utilizados para a discriminação de pacientes que apresentam resistência à terapia com inibidor plaquetário. Nos casos de resistência, os pacientes apresentam menor inibição da ação plaquetária do que o esperado para uma determinada dose de medicamento, com consequente elevação do risco para o desenvolvimento de tromboses. As formas mais comuns de resistência estão relacionadas com o uso de clopidogrel e aspirina. Diversos mecanismos diferentes de resistência têm sido descritos, sendo mais comum a redução do metabolismo do clopidogrel na sua forma ativa, levando à ação inadequada da inibição plaquetária. Além disso, a redução da absorção dos medicamentos e os polimorfismos dos receptores de ligação, que são alvos da ação dos fármacos, também foram descritos.
Existem dois tipos de abordagem para a avaliação de resistência aos inibidores plaquetários: estudos genéticos com a pesquisa de polimorfismos associados à resistência à determinadas medicações, por meio do seu metabolismo, e estudos da função das plaquetas, que avalia o efeito direto do fármaco sobre elas.
Existem basicamente quatro formas de utilização dos testes de função plaquetária. A primeira seria a avaliação de resistência aos fármacos em pacientes que fazem uso crônico de longa data. Neste caso, não existem evidências científicas que atestem a utilidade dos testes como fator de ajuste terapêutico, mas foram descritas evidências de elevação do risco para a formação de tromboses nos pacientes pouco ou não respondedores. A segunda utilização dos testes de função plaquetária diz respeito ao uso imediatamente antes de procedimentos de intervenção coronariana percutânea (PCI) para a colocação de stents. Nestes casos, há evidências consistentes em relação à elevação do risco de formação de tromboses em até 30 dias após a intervenção, corroborando inclusive a tomada de decisão terapêutica. A terceira aplicação corresponde à utilização dos testes de função plaquetária para a prevenção de risco de sangramento em pacientes em uso de antiagregantes plaquetários, ou naqueles com sangramento para determinar a contribuição dos inibidores plaquetários. A quarta e última utilização para os testes seria o rastreamento inicial de defeitos intrínsecos da função plaquetária.
O teste Multiplate® (Roche Diagnóstica) é baseado na diferença de impedância entre dois eletrodos colocados em um recipiente com sangue total e um ativador (agonista) da agregação plaquetária. São utilizados quatro tipos diferentes de agonistas, com diferentes funções:
? ADP (ADP teste): ação do clopidogrel, prasugrel, ticagrelor e outros antagonistas do receptor de ADP;
? ácido araquidônico (ASP teste): agregação dependente da ação da ciclo-oxigenase (COX) (dependente de ácido araquidônico), como aspirina, anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e outros inibidores da COX;
? trombina (TRAP teste): ação de inibidores dos receptores de trombina (via TRAP-6), sensível a antagonistas dos receptores de IIb/IIIa (abciximab, tirofiban, eptifibatide);
? colágeno (COL teste): pesquisa de tromblastenia de Glazmann e doença de Bernard-Soulier;
? ristocetina (RISTO H e RISTO L): pesquisa de doença de von Willebrand.
A vantagem do teste Multiplate® é a avaliação em conjunto tanto para a ação de inibidores plaquetários quanto de defeitos da função plaquetária. A maioria dos estudos demonstra que o teste Multiplate® mantém boa correlação com os resultados dos testes de agregação plaquetária tradicionais, como o LTA, sendo que, por poder ser realizado em sangue total, sem a necessidade da separação das plaquetas por centrifugação, apresenta menor grau de interferências pré-analíticas.
Pontos de corte de acordo com condições clínicas e procedimentos (*):
? ASP TEST
– Uso de aspirina:
- < 40 AUC (U): inibição de COX-1 pela aspirina
- < 30 AUC (U): forte inibição de COX-1 pela aspirina
? ADP TEST
– PCI: > 46 AUC (U): risco elevado de trombose em PCI
< 19 AUC (U): risco elevado de sangramento em PCI
CABG (cirurgia coronariana): < 31 AUC (U): risco elevado de sangramento em CABG
Referências bibliográficas:
Al-Azzam SI, et al. Acta Cardiol, 2012.
von Pape K-W, et al. Hamostaseologie, 2007.
Ranucci M, et al. Ann Thorac Surg, 2011.
Sibbing D, et al. J Thromb Haemost, 2010.
Chandler WL. Clin Chem, 2014.