O ecocardiograma na amiloidose cardíaca


18.04.24

Amiloidose cardíaca está inserida no grupo de doenças designadas como cardiomiopatias restritivas. Na amiloidose, há o depósito de proteína amiloide que promove o remodelamento da matriz extracelular, expansão do volume extracelular, rarefação capilar, edema, modificação do tamanho e volume dos cardiomiócitos. Estas alterações ocasionam, em geral, o aumento da massa do ventrículo esquerdo (VE) e espessura parietal. Como resultado desse processo, as câmaras cardíacas se tornam rígidas, ou seja, com complacência reduzida por rigidez ventricular. Neste contexto, mesmo volumes de enchimento normais podem resultar em pressões ventriculares diastólicas muito elevadas que são transmitidas retrogradamente aos átrios e à circulação pulmonar, causando sintomas congestivos, configurando o quadro clínico de insuficiência cardíaca diastólica, também conhecida como ICEFEP.

Os achados ecocardiográficos mais característicos da amiloidose cardíaca são os seguintes:

 

• Aumento da espessura da parede do VE, sem aumento da cavidade ventricular esquerda, ou seja, remodelamento ou hipertrofia concêntrica. A espessura da parede é normal na maioria das miocardiopatias restritivas, exceto na amiloidose.

 

• Aumento da espessura de parede do ventrículo direito (espessamento biventricular é fortemente sugestivo de cardiopatia infiltrativa).

 

• Aumento da ecogenicidade da parede miocárdica (aspecto granular brilhante), sendo este aspecto frequente, mas pode estar ausente e não é patognomônico da doença cardíaca amiloide.

 

• Fração de ejeção do VE tipicamente preservada até fase mais tardia da doença.

 

• Disfunção diastólica do VE progressiva com padrão restritivo de fluxo transmitral é o mais típico: onda E alta (> 100 cm∕s), onda A baixa (< 50 cm∕s), relação E∕ A aumentada (> 2) e o tempo de desaceleração da onda E encurtado (< 160 ms).

 

• Fluxo venoso pulmonar e hepático com velocidades de fluxo maior na diástole do que na sístole e a velocidade de fluxo reverso venoso durante a contração atrial é frequentemente mais elevada do que o normal.

 

• A variação respiratória nos fluxos transvalvares e fluxo venoso pulmonar observada em pacientes com pericardite constritiva não são vistos em pacientes com miocardiopatias restritivas como a amiloidose.

 

• Doppler tecidual do anel mitral evidencia uma velocidade abaixo do normal do anel mitral na diástole precoce (onda E´) e a relação E∕e´ está aumentada (> 14). Este achado é útil para diferenciar entre miocardiopatia restritiva da pericardite constritiva uma vez que nesta última a onda E´ e a relação E∕e´ estão normais.

 

• O fluxo de propagação pelo modo M colorido no VE é anormalmente lento (< 45 cm∕s), sendo este também um achado útil para diferenciar entre miocardiopatia restritiva da pericardite constritiva porque nesta última encontra-se habitualmente normal.

 

• Dilatação biatrial o que predispõe as arritmias tipo fibrilação atrial.

 

• Infiltração do septo interatrial é relativamente frequente.

 

• Trombos atriais mesmo que em ritmo sinusal.

 

• Espessamento dos folhetos valvulares mitral e tricúspide resultando geralmente em regurgitação destas válvulas e que podem ser significativos.

 

• Hipertensão arterial pulmonar (> 50 mmHg).

 

• Pequenos derrames pericárdicos.


As novas tecnologias derivadas do Doppler tecidual colorido e da deformação longitudinal bidimensional (Global Longitudinal Strain), permitem a demonstração da presença de disfunção sistólica na amiloidose cardíaca mesmo quando ainda não pode ser avaliada pela ecocardiografia convencional, ou seja, mesmo quando a fração de ejeção ainda está normal e, além disso, também agrega valor prognóstico. Um valor de deformação longitudinal global (Global Longitudinal Strain) ≤ − 13 é o ponto de corte mais apropriado para predizer uma mortalidade maior. Ainda que a redução da deformação longitudinal na amiloidose cardíaca seja encontrada em todos os segmentos, ela é mais acentuada nos segmentos basais e mediais e isto se deve ao fato da torção ventricular estar reduzida por causa de uma alteração na rotação basal e medial do VE, enquanto a rotação apical se mantém normal. Alguns autores consideram que uma deformação longitudinal global inferior a − 12 na presença de espessamento parietal ventricular é bastante sugestiva de amiloidose cardíaca. A deformação bidimensional longitudinal global do ventrículo direito (VD) também apresenta nos segmentos basal e medial da parede lateral do VD valores diminuídos.

 

Aumento da espessura da parede do VE, sem aumento da cavidade ventricular esquerda visualizados nos cortes  paraesternal longitudinal (A), transverso do VE (B), apical 4 câmaras (C) e apical 3 câmaras (D).

 

A: disfunção diastólica do VE com padrão restritivo de fluxo transmitral

B: fluxo venoso pulmonar com velocidades de fluxo maior na diástole do que na sístole

C e D: Doppler tecidual do anel mitral com velocidade abaixo do normal do anel mitral na diástole precoce (onda E´) tanto no anel septal (C), quanto no anel lateral (D).

 

Global Longitudinal Strain: redução da deformação longitudinal encontrada em todos os segmentos, porém mais acentuada nos segmentos basais e mediais e relativamente preservada nos segmentos apicais.

 

Bibliografia:

Patrizio Lancellotti, Bernard Cosyns. Manual de Ecocardiograma da EACVI. Supervisão da tradução por Luciano Belém. Primeira edição. Rio de Janeiro: Di Livros, 2016

Roberto M. Lang, Steven A. Goldstein Itzhak Kronzon, Bijoy K.Khandheria. Ecocardiografia Dinâmica. Tradução de Bruno Marchesi Izoton. Primeira edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

Sharmila Dorbala, Sarah Cuddy, Rodney H. Falk . How to image Cardiac Amyloidosis. JACC 2019.

Tomás Cianciulli, Horacio Prezioso, Jorge Lax. Ecocardiografia Novas técnicas. Primeira edição. Rio de Janeiro: Revinter, 2012.

Wilson Mathias Jr, Jeane Mike Tsutsui. Primeira edição. Barueri, São Paulo: Manole, 2012.

 


Dra. Maria Emilia Rodrigues
Cardiologia / Ecocardiografia – Richet
CRM 52.60025-6