Biotina – Interferências em testes laboratoriais


18.09.19

A Biotina é uma vitamina hidrossolúvel do complexo B, também conhecida como vitamina B7 ou vitamina H, essencial, tendo como fonte ovos, carnes, legumes e sementes. Ela funciona como cofator em muitos processos de carboxilases e está envolvida no metabolismo de carboidratos, anelamento de aminoácidos, síntese de ácidos graxos, além de também atuar como cofator para a gliconeogênese hepática, sendo sintetizada por bactérias intestinais. A sua concentração plasmática varia entre 0,1 e 0,8 ng/mL.

A ingestão diária recomendada se situa entre 30 e 70 mg/dia, facilmente atingida com uma dieta equilibrada. A deficiência de biotina (< 0,1 – 0,2 ng/mL) está associada com estados de deficiências dietéticas, sendo comum em mães amamentando, casos de anorexia e de bulimia. Também pode ocorrer por deficiência de absorção nas desordens gastrointestinais e também pelo excesso de ingestão de claras de ovos (> 10 por dia) e nas doenças causadas por erros inatos do metabolismo. Alguns medicamentos podem estar associados à deficiência de biotina, sendo mais frequentes a Isotretionina (accutane) e uso prolongado de antibióticos e anticonvulsivantes (ácido valpróico, etc). A prescrição de biotina pode estar indicada em: Desordens metabólicas, Gestação/Lactação, Doença do Intestino Irritável, Neuropatia periférica e deficiência de biotinidase. Existem estudos experimentais que usam biotina em doses elevadas (100 – 300 mg/dia), para o tratamento de Esclerose Múltipla. A Biotina está presente em suplementos vendidos sem receita médica, em elevadas concentrações, muitas vezes superiores à ingestão diária recomendada, com o objetivo de embelezamento de unhas, pele e cabelo, apesar de não haver evidências científicas robustas, quanto à sua eficácia, podendo também ser prescrita por razões terapêuticas.

Estreptomicina-Avidina (proveniente da bactéria Streptomyces avidinii), quando ligadas à biotina, forma uma das mais fortes e estáveis ligações covalentes da química. A ligação permanece estável durante os processos de lavagem, mudanças de pH e derivatizações e, por este motivo, é usada em muitos dos testes diagnósticos de base imunológica. Quando ocorre excesso de biotina circulante, pode haver interferência nos testes diagnósticos que utilizam o princípio da ligação Streptavidina-biotina, por competição do sítio de ligação, podendo causar tanto resultados falsamente elevados como diminuídos, dependendo da configuração do teste.

As interferências em testes laboratoriais causadas pela biotina, já eram conhecidas há bastante tempo. Os primeiros relatos foram feitos na década de 1990 e, nos anos 2000, as interferências em testes de função tireódea foram detalhadamente descritas; entretanto, eram casos bastante exporádicos, já que o uso de altas doses de biotina estava restritivo a casos específicos. Com o crescimento da oferta e procura por suplementos vitamínicos, os problemas com as interferências em testes laboratoriais ficou muito mais comum, necessitando de maiores atenções por parte dos laboratórios e dos médicos solicitantes.

Estudos mais aprofundados, demonstram que os testes mais comumente afetados são os para avaliação de função tireoide (TSH, T3, T4, T4L) e paratireóde (PTH), entretanto, muitos outros testes que utilizam o complexo biotina – avidina – estreptomicina, incluindo marcadores tumorais e para doenças infecciosas, podem igualmente ser afetados. A interferência depende da quantidade circulante de biotina, sendo, portanto, dose dependente. Como a meia-vida da biotina é relativamente curta, o seu pico sérico é atingido cerca de 2 horas após a ingestão, a relação entre a última tomada do medicamente e a coleta da amostra de sangue está diretamente ligada ao grau de interferência. Calcula-se que em cerca de 8 horas a biotina ingerida já tenha sido totalmente eliminada da circulação; entretanto, uma recomendação de abstinência de pelo menos 48 horas antes da repetição do teste tem sido adotada como padrão.

Como recomendação fundamental, não apenas para estes casos, mas também para outros em que haja discordância clínico-laboratorial, é que o laboratório seja consultado antes da tomada de decisão, como pedir para repetir em outro serviço. Os laboratórios estão focados em determinar a presença da biotina e mitigar sua interferência, podendo tanto processar a mesma amostra através de outras metodologias ou indicar a repetição do teste em outra ocasião, sob dieta livre de biotina.

Pontos principais:

• Diversos testes imunológicos empregam o complexo avidina-biotina nas suas reações.
• Doses elevadas de biotina (medicinal ou cosmética) podem causar interferências nos testes imunológicos.
• Os testes para avaliação da função da tireoide são os mais afetados, entretanto, muitos outros testes também podem sofrer interferências.
• Nem todos os testes que empregam biotina sofrem interferências.
• Sempre levar em consideração o uso de biotina diante de resultados imunológicos laboratoriais discrepantes da clínica do paciente.
• Sempre que possível fazer contato com o laboratório sobre possível interferência.
• Indicar a repetição do teste em outro laboratório pode gerar custos e preocupações desnecessárias, além de também não resolver a questão da discrepância, visto que a interferência pode ser método e dosagem dependente.
• Ideal solicitar que o medicamento seja suspenso, por no mínimo 48 horas, antes da realização ou repetição dos testes laboratoriais.

 


 

Fontes bibliográficas:

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Dr. Helio Magarinos
Diretor Médico
CRM 52.47173-0
Diretor do Richet Medicina & Diagnóstico, Especialista em Patologia Clínica e Medicina Laboratorial com MBA em Gestão de Negócios pelo IBMEC. Membro da Sociedade Brasileira de Patologia Clinica (SBPC), da American Association for Clinical Chemistry (AACC), da American Society for Microbiology (ASM), da American Molecular Pathology (AMP) e da European Society for Microbiology and Infectious Diseases (ESCMID).