No início de 2018, tivemos confirmados pela Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas (Susam) dez casos de doença de chagas no Amazonas, com suspeitas de contaminação através do açaí. Segundo a Susam, todas as pessoas infectadas eram da mesma família e ingeriram o alimento antes de apresentar os sintomas.
Cerca de 70% dos casos agudos de doença de chagas no Brasil já são transmitidos desta maneira, por alimentos como açaí e caldo de cana.
Embora a concentração do problema esteja na região Norte do país, que soma 91% dos relatos da doença, com especial destaque para o estado do Pará, ainda existe uma preocupação (grande parte por conta da internet e redes sociais) de que a doença possa se espalhar pelo país.
A doença de chagas é causada pelo protozoário parasita Trypanosoma cruzi, que é transmitido pelas fezes de um inseto (triatoma), conhecido como "barbeiro". O apelido do parasita foi dado por seu descobridor, o cientista Carlos Chagas, em homenagem ao também cientista Oswaldo Cruz. Segundo os dados levantados pela Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), esse inseto de hábitos noturnos vive nas frestas das casas de pau-a-pique, ninhos de pássaros, tocas de animais, casca de troncos de árvores e embaixo de pedras.
Estima-se que existam no país entre 2 e 3 milhões de indivíduos infectados pela moléstia. Nos últimos anos, a ocorrência de doença de chagas aguda tem sido observada em diferentes estados, em especial na região da Amazônia Legal, principalmente por causa da transmissão oral.
A doença de Chagas não é transmitida ao ser humano diretamente pela picada do inseto. Na verdade, a transmissão ocorre quando a pessoa coça o local da picada e as fezes eliminadas pelo barbeiro penetram pelo orifício que ali deixou. A coceira facilita a entrada do tripanossomo no organismo, o que também pode ocorrer pela mucosa dos olhos, do nariz e da boca, ou por feridas e cortes recentes na pele.
A transmissão pode ocorrer também por transfusão de sangue contaminado e durante a gravidez, da mãe para filho. No Brasil, foram registrados casos da infecção transmitida por via oral nas pessoas que tomaram caldo-de-cana ou comeram açaí moído. Embora não se imaginasse que isso pudesse acontecer, o provável é que haja uma invasão ativa do parasita diretamente através do aparelho digestivo nesse tipo de transmissão.
De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas, o açaí não pode ser visto como vilão, pois não é o fruto que está suscetível à contaminação do parasita, mas sim o modo como ele é preparado. Ou seja, o açaí não transmite a doença e é possível ingeri-lo sem riscos, desde que se tome os devidos cuidados com a higienização.
Essa suspeita de contaminação diretamente pelo açaí já havia sido levantada em 2006, até ser confirmado em 2010 que não havia ligação, graças a estudos da Unicamp, da UFRJ e do Instituto de Pesquisas Nucleares (Ipen). Por isso, a Susam reforçou o pedido para que a população da região norte tome os cuidados necessários na hora de preparar e consumir, pois o açaí faz parte da base alimentar de muitos habitantes das regiões Norte e Nordeste do país, onde o consumo do fruto in natura (sem passar pelo processo de industrialização que conserva o produto para venda em outras regiões do Brasil e no exterior) é praticamente diário.
O fruto do açaí é contaminado quando o barbeiro ou as fezes dele se misturam à polpa durante o processamento. Às vezes, reservatórios utilizados na produção do vinho de açaí também podem ser contaminados. Contudo, no caso da polpa industrializada (a que consumimos por aqui), o produto passa por um processo de lavagem e de pasteurização, o que elimina qualquer possibilidade de sobrevivência do Trypanosoma cruzi.
Então, pode ficar tranquilo: pode continuar comendo o seu açaí sem preocupações.
Porém, apesar de não haver problemas com o consumo do fruto, a contaminação pode ocorrer de outras maneiras, como já descrito acima. Portanto, é preciso ter bastante cuidado e ficar atento aos sinais e sintomas.
Febre, mal-estar, inflamação e dor nos gânglios (glândulas do sistema linfático, responsáveis por combater infecções), vermelhidão e inchaço nos olhos (sinal de Romaña - lesão inflamatória com edema e eritema no local da picada). O aumento do fígado e do baço são os principais sintomas. Com frequência, a febre desaparece depois de alguns dias e a pessoa não se dá conta do que lhe aconteceu, embora o parasita já esteja alojado em alguns órgãos. Como nem sempre os sintomas são perceptíveis, o indivíduo pode saber que tem a doença até 20 ou 30 anos depois de ter sido infectado, ao fazer um exame de sangue de rotina.
Na fase aguda, meningite e encefalite são complicações graves da doença de Chagas, mas são raros os casos de morte.
Caindo na circulação, o Trypanosoma cruzi afeta os gânglios, o fígado e o baço. Depois se localiza no coração, intestino e esôfago. Nas fases crônicas da doença, pode haver destruição da musculatura e sua flacidez provoca aumento desses três órgãos, o que causa problemas como cardite chagásica (aumento do coração), megacólon (aumento do cólon que pode provocar retenção das fezes) e megaesôfago, cujo principal sintoma é a regurgitação dos alimentos ingeridos. Essas lesões são definitivas, irreversíveis. A doença de Chagas pode não provocar lesões importantes em pessoas que apresentem resposta imunológica adequada, mas pode ser fatal para outras.
O período de incubação vai de cinco a 14 dias após a picada do barbeiro e o diagnóstico é feito através de exame de sangue, que deve ser prescrito, principalmente, quando um indivíduo vem de zonas endêmicas e apresenta os sintomas acima relacionados.
A medicação é dada sob acompanhamento médico nos hospitais devido aos efeitos colaterais que provoca, e deve ser mantida, no mínimo, por um mês. O efeito do medicamento costuma ser satisfatório na fase aguda da doença, enquanto o parasita está circulando no sangue. Na fase crônica, não compensa utilizá-lo mais e o tratamento é direcionado às manifestações da doença a fim de controlar os sintomas e evitar as complicações.
• Como não existe vacina para a doença de chagas, os cuidados devem ser redobrados nas regiões onde o barbeiro ainda existe, como o vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais, e nas regiões Norte e Nordeste, em especial no Pará e na Bahia.
• Caso a pessoa tenha passado por uma região de transmissão natural do parasita, ela deve procurar assistência médica se apresentar febre ou qualquer outro sintoma característico da doença de Chagas;
• Portadores do parasita, mesmo que sejam assintomáticos (não exibem sintomas), não podem doar sangue;
• A cana-de-açúcar e o açaí devem ser cuidadosamente lavados antes da moagem.
A incidência da doença de chagas está diretamente relacionada às condições habitacionais (casas de pau-a-pique, sapê, etc). Portanto, cuidados com a conservação das casas, aplicação sistemática de inseticidas e utilização de telas em portas e janelas são algumas das medidas preventivas que devem ser adotadas, principalmente em ambientes rurais. A melhor forma de prevenção é o combate ao inseto transmissor: eliminá-lo ou mantê-lo afastado do convívio humano é a única forma de erradicar a doença.
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